AS ARMADILHAS DO CASAMENTO

Nos preparativos do casamento, o casal, preocupado com a festa, a cerimônia e a mudança, acabam sem discutir entre si qual seria o melhor regime de bens. Às vezes, até se lembram, mas o peso social desse assunto e a falta de planejamento a longo prazo, impedem que eles discutam abertamente. Há ainda na sociedade atual um fenômeno que a Youtuber Nathália Arcuri cunhou como “dinheirofobia”.

As pessoas em pleno século XXI ainda veem com maus olhos falar sobre dinheiro, principalmente em relações de afeto. Porém, se ou quando o afeta acaba, a coisa muda e elas passam não só a discutir como a se digladiar pelas sobras do amor, que na maioria dos casos é representado pelos bens comuns, o que acaba tornando o divórcio em algo ainda mais doloroso, por falta de planejamento e transparência no início da relação.

Pensando nisso, resolvi elencar algumas questões práticas de coisas que entram e de coisas que não entram na partilha no regime de comunhão parcial de bens, que é o regime majoritariamente adotado pelos brasileiros, na esperança que as pessoas possam se conscientizar da repercussão jurídica das suas escolhas. Vamos lá!

A priori, tudo que for adquirido onerosamente por um dos cônjuges durante o casamento, ou seja, tudo que implicar gastos ou despesas, ainda que no nome de apenas um deles, entra na partilha e deve ser dividido meio-a-meio em caso de divórcio, mesmo que o marido ou a esposa não tenha contribuído financeiramente para essa aquisição.

Além disso, dinheiro ou bens auferidos por fato eventual (prêmio de loteria, tele sena premiada, sorteios e etc.) também entram na partilha. Mesmo que o bilhete premiado tenha sido adquirido pelo marido ou que o cupom do sorteio da Mercedes do Flamboyant tenha sido preenchido pela esposa.

Por outro lado, o que for recebido por um dos cônjuges, ainda que na constância do casamento, por doação ou por herança, não entra na partilha no caso de comunhão parcial, assim como não entra os bens adquiridos antes do casamento, como aquele apartamento de solteiro ou o Uno Mille que você ganhou da vovó quando estava na Faculdade. O problema é a confusão patrimonial, quando você vende seu Uno (que era só seu) para comprar o Corolla (que é do casal) e não ressalva que parte do valor empregado no carro novo veio do seu carro antigo.

O seu salário também poderá ser partilhado. Mas veja bem. Não é o direito ao recebimento do salário (que é só seu), mas, no momento em que esse salário é recebido e após pagas as despesas da família, o valor remanescente passa a integrar o patrimônio do casal, sendo passível de partilha. Esses valores, na maioria das vezes, são destinados a uma aplicação financeira ou para aquisição de outros bens, que também são partilháveis.

Até o seu FGTS entra no samba! De acordo com o STJ, os valores provenientes do FGTS recebidos por um dos cônjuges durante o casamento são partilháveis em caso de divórcio, ficando o saque do valor condicionado ao preenchimento de algumas das hipóteses legais: demissão sem justa causa ou aquisição de imóvel pelo Sistema Financeiro Habitacional, por exemplo.

As verbas trabalhistas oriundas do período do casamento também entram na partilha. Dessa forma, o valor auferido com aquela ação trabalhista que você move em face do seu ex-empregador, será partilhado ao meio no caso de divórcio, mesmo que se proponha a ação após o casamento, desde que as verbas digam respeito ao período em que se estava casado.

Para o STJ, entretanto, o valor decorrente de Previdência Privada não entra na partilha, diante do reconhecimento da natureza securitária, previdenciária ou de pecúlio, o que afasta a comunicabilidade dos valores vertidos à Previdência Complementar.

Os aluguéis dos bens que são só seus ou mesmo a distribuição de lucro de uma empresa constituída antes do casamento também entram na partilha, por serem considerados frutos civis. Mas, calma! Isso só acontece até a data da separação de fato, ou seja, até a data em que o casal deixou de viver como marido e mulher. As benfeitorias e construções realizadas em imóvel particular de um dos cônjuges durante o casamento ou até as construções feitas em imóveis de terceiro (o puxadinho na casa da sogra, por exemplo) também são partilháveis.

Até as dívidas pessoais de cada um, caso provado que foram feitas em benefício da família, com o pagamento de uma viagem ou a aquisição de um eletrodoméstico, por exemplo, poderão ser partilhadas em caso de divórcio. É o ônus e o bônus!

Os bens de uso pessoal, os livros e os instrumentos de profissão, no entanto, não ingressam na comunhão, pertencendo exclusivamente ao seu dono. Não soaria razoável que o médico tivesse que dividir seu estetoscópio ou que a dentista tivesse de dividir o seu “motorzinho”, que são de uso pessoal e imprescindíveis ao seu trabalho.

O importante é sempre procurar a orientação com um advogado de confiança sobre a repercussão jurídica de cada regime de bens e discutir com seu companheiro(a) sobre o que cada espera economicamente da relação. Evite a “dinheirofobia” e não se preocupe com que os outros vão pensar disso, cuide do seu dinheiro e das suas expectativas. Na dúvida, não case em regime de comunhão parcial ou universal de bens, não cometa o erro de confundir ou misturar dinheiro com afeto.

Por Lucas Coutinho – Advogado de direito de família.